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Uma nota: fui um dos revisores do projecto e a ilustração da capa é de minha autoria :)
Uma nova antologia de contos dedicados ao género de Fantástico que tem como atractivo (ou repulsivo, depende da pessoa) de os contos não virem assinados pelos autores, prometendo assim uma isenção na opinião dada pelo leitor. O editorial da antologia fala mais disso em pormenor. Os nomes serão publicados num número posterior mas de momento isso ainda não aconteceu. Quando for o caso vou incluir os nomes nesta página.
O primeiro número achei que ficou bastante forte. As escritas estão bastante boas e as histórias são entusiasmantes ou curiosas, resultando numa óptima leitura. Vou falar de cada um dos contos:
O Basilisco no divã, de Ricardo Dias -- 4*
Gostei bastante, está um conto muito inteligente e trocou-me as voltas com muita naturalidade.
Dr. Jeremias Cor-Brilhante é um psiquiatra e é um camaleão. Sim :). Está a tratar de um caso delicado que pode solidar mais a sua carreira de sucesso. Está a tentar curar um paciente, um basilisco, através de um novo processo que ele julga ser inovador. Apesar da estranheza inicial com um universo vivido por seres sáurios, rapidamente tomei-lhe o gosto porque estava bem feito a caracterização desse universo, com bastante humor e cheio de referências da cultura popular. Imaginativo.
O conto não é muito descritivo, mal existem descrições. No entanto acho que a escrita está soberba. Há uma fluidez que me agarrou, um cuidado que me agradou. Notou-se de imediato que a narrativa é lenta, por isso não há melhor do que saborear as palavras com vagar, deixar-se levar pela história e escutar os diálogos.
Houve dois momentos que talvez aborreceram. O autor prolongou demasiado uma cena em que o basilisco negava a sua condição por muito que o doutor teimava no contrário. Parecia uma espiral, quando parecia que tinham terminado voltaram ao mesmo. O outro momento é o da palestra, demasiado professoral, académico, é sempre um risco narrar assim. Mas está muito bom, até. Passou muito bem a ideia da técnica inovadora que motivou o conto. Perfeito seria se o plano dele fosse revelado por acções das personagens e induções do leitor, não falado pelo protagonista.
Um conto divertido que relata peripécias bem patetas de um desventurado cavaleiro. Tem elementos medievais e mantém-se nesse tom, por isso não acho que é um conto do género Fantástico, apesar de, sim, haver um dragão.
Sor John Clay é um cavaleiro tomado por todos como alguém ridículo, um insignificante. Tem que enfrentar um desafio que lhe foi imposto e que é tão imbecil que não dá para não achar graça, e é com motivos desses que o texto trabalha. Durante a leitura, fez-me lembrar dos Monty Python que também têm um humor algo alarve. O mundo está bem construído, as personagens são tolas mas é como se fossem perfeitas em conjunto. O que menos gostei foi das curtas aparições de diversas personagens e do final que ficou mal explicado. Foi algo desencantado para toda a gente estar feliz (quanto pode). O que é uma pena, o conto merecia melhor.
A voz do conto é rica e elaborada, e ao mesmo tempo é cativante, teatral. Deu muito gosto de ler.
Esta opinião é capaz de ter spoilers, eu sei lá :)
A história é sobre uma guerra entre humanos e vampiros, é sobre duas personagens de facções contrárias da guerra, num mundo pós-apocalíptico. O ambiente está bem conseguido, com a civilização reduzida a um pequeno número de cidadelas e a tecnologia limitada a alguns meios de locomoção que continuam a funcionar. Como a maior parte da história passa-se numa carrinha a atravessar a Europa, senti a isolação e a solidão dos passageiros perante o mundo, e os interlúdios (principalmente os primeiros) que pontuam o livro contrastam desse recolhimento com a animação de um tempo antigo.
Angel, uma dos protagonistas, é uma rapariga feiticeira. São a principal esperança da humanidade contra os vampiros. De início ela não se demarcava dos restantes feiticeiros, as pessoas contavam com outros feiticeiros, entre eles a própria mãe, mas desde logo se vê que o poder da Angel é mais do que aparenta ter. Achei que ela era muito segura de si, algo arrogante e com a ideia de que é capaz de tudo perfeitamente sozinha. Apesar disso, ela revela um ter um bom coração com as pessoas que a estimam, como a sua mãe e a sua meia-irmã. Apenas é uma pessoa difícil de se lidar com pessoas que mal conhece, senti assim, e nos primeiros capítulos ela revelou ter uma mentalidade... bem, estranha, com a relação que tinha com alguém do refúgio onde vivia, principalmente tendo em conta a fama desse seu amigo, e, para ser sincero, não simpatizei logo com ela.
Gabriel é um Sekhmet, uma raça especial de vampiro, que lhe confere poder e ranking entre os seus. Despreza humanos mas, apesar da sua condição, não acha agradável o tempo passado entre os vampiros. Também é seguro de si, no entanto é reservado e prefere esperar pelos melhores momentos para organizar ideias. Mas teve oportunidades de sobra para expressar a opinião nos constantes conflitos com a Angel. Achei muito engraçada essa parte, uma relação em que ambas as partes dispensavam bem a companhia um do outro e, aos poucos, foi avançando para algo mais e no fim se tornou decisiva a reunião entre os dois no desfecho da guerra. Pessoalmente gostei mais de ler os capítulos na perspectiva do Gabriel pois reflectia muito sobre a guerra e sobre as dúvidas e acções que tomava que poderiam ir contra a sua natureza; muito deste mundo foi-me transmitido através dele.
Os dois ficaram unidos por um feitiço e foram recorrer à única feiticeira capaz de os libertar. Pelo caminho há uma galeria de personagens que os acompanharam, os que apoiaram e os que se atravessaram no caminho. Amilda é a meia-irmã da Angel, e mostra um lado generoso que gostava de ter visto mais cedo na Angel. Com ela, a história permitiu-se desanuviar um pouco o ambiente, o que lhe fica bem. É uma rapariga fofa mas também destemida. Acompanhou a Angel desde o início e foi fundamental no apoio à resolução dos protagonistas. Davet também os acompanhou durante a maior parte da viagem e é um vampiro. Fiquei a crer que não é tão poderoso como o Gabriel, não é de nenhuma raça em especial, mas é um tipo calado e sabemos como muitas vezes o tipo calado pode ser muito assustador. Pelo caminho defrontaram vampiros. Omniua foi a vampira que mais presença teve na história, é uma Primordial, uma dos Treze. Apesar de haver uma extensa galeria de personagens, raças e feitiços, não senti necessidade de um glossário. Na verdade esteve tudo muito natural e eficaz, não achei confuso ou complicado. A exploração das personagens secundárias esteve equilibrada, com as cenas tão necessárias quanto a relevância de cada uma.
A escrita da autora é directa e muito descritiva, simples mas sem ser simplista, penso que é vocacionado a todos jovens e adultos. Tem bastante corpo, satisfaz a vontade em acompanhar a história e é fácil de imaginar as cenas como se corressem perante os meus olhos. A facilidade é tanto conseguida nas descrições de estados introspectivos como nas cenas de acção e de muita luta, apesar de aqui e ali haver umas expressões que destoam um pouco. As lutas estão dinâmicas e gostei especialmente do confronto final que, com o grupo de personagens todo presente, ficou bem conseguido, empolgante e apelativo. Algumas cenas foram sangrentas. Mas sangrentas. Os capítulos que mais gostei são aqueles em que as personagens partilharam pequenos pedaços de si nos momentos em que andavam escondidos. A autora teve habilidade em expressar sentimentos nos mais pequenos gestos, nos sussurros e nos silêncios. Recordo especialmente de uma cena passada num quarto escuro, a fim de eles retemperar forças após passarem por confrontos físicos. Gabriel fez algo pela Angel que era o que ela menos esperava. A conversa que se seguiu no escuro ficou delicada e sensível, tenho quase a certeza que quando a li fiquei com a respiração em suspenso.
Se ao longo do livro tive oportunidades em ver a determinação e o poder da Angel, foi pena que não tenha sentido o mesmo com o vilão, acho que ele deveria ter tido um pouco mais de presença. Gostava de ter visto do que ele era capaz de fazer, a que extremos tomava as suas acções, e num momento mais oportuno da história.
Hoje em dia os livros são deixados com um final em aberto pelos seus autores. Mesmo que a história, a jornada, esteja terminada, há pontas soltas por atar e muitas ideias por resolver deixadas para a imaginação do leitor, se o leitor quiser e se o autor deixar o suficiente. E nem falo das que perspectivam ser o primeiro volume de uma saga... Há quantos livros não lia eu que tinham um final tão definitivo? Com um momento determinante de que sabemos não haver retrocesso nem mais avanços? Foi o caso deste livro. Adorei o final, é muito forte e achei até algo romântico. Valeu imenso a pena acompanhar as personagens até ao fim da sua jornada, percorrer com eles as estradas do mundo dividido entre vampiros e humanos, conviver nos momentos de tranquilidade e lutar com eles nas batalhas, e no fim estar junto deles até ao último instante, ao último parágrafo.
Os locais de venda do livro, que de momento só está em formato ebook, podem ser consultados na página da autora, vale a pena consultar.
Book-trailer do livro:
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